Dar visibilidade a um povo invisível ao olhar do poder público e da sociedade. Essa tem sido a proposta da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) ao apresentar projetos de extensão universitária que serão desenvolvidos nas comunidades quilombolas do Pêga e Arrojado, localizadas no município de Portalegre, distante 35 Km do Campus Pau dos Ferros e 138 Km do Campus Sede, em Mossoró.
Alguns projetos já tramitam no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. “A ideia é trabalhar com educação, saúde e agricultura familiar”, adiantou a reitora Ludimilla Oliveira ao visitar as duas comunidades, acompanhada do Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto. “Trazer o Secretário representa o compromisso da Universidade com a questão das minorias”, pontuou a professora. A proposta é realizar trabalhos com quintais produtivos, atendimentos de saúde por meio de UBS móvel, além de oferecer atividades educativas com cursos de inclusão digital. Atualmente, a Ufersa já desenvolve trabalho de pesquisa em Portalegre, numa parceria com a Prefeitura, voltado para a cultura do alho, beneficiando pequenos agricultores familiares.
Mesmo sendo uma das cidades mais antigas do Rio Grande do Norte, estando prestes a completar 260 anos, Portalegre parece ter parado no tempo quando se trata das comunidades remanescentes de quilombos. “A nossa cidade tem um grande débito com as comunidades quilombolas”, reconhece o prefeito do município José Augusto Rêgo, com a esperança que a presença da Universidade possa contribuir para melhorias das políticas públicas voltadas para a comunidade de negros remanescentes do povo que um dia foi escravizado.
“Ainda sofremos racismo por sermos negros, pobres e sem recursos”, afirmou Creuza Delmiro, citando como exemplo o episódio lamentável ocorrido na cidade de Portalegre, quando o jovem Luciano Simplício, descendente quilombola, foi covardemente espancado. “Infelizmente o racismo é uma realidade no Brasil, mesmo com toda luta, força e garra do povo negro”, reconhece. Creuza diz que um caso como esse não deveria acontecer.
A VISITA – O deslocamento dos visitantes às comunidades quilombolas de Portalegre representou esperança. “Aqui o povo carece de tudo: saúde, educação, transporte, moradia, trabalho”, pontuou a concluinte do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Ufersa, Luiza Maria Oliveira. A universitária desenvolve trabalho voluntário na comunidade. “Vejo com esperança de bons frutos e que deixa a população com muitas expectativas”, afirmou.
As dificuldades mencionadas pela futura professora foram confirmadas pela líder mais idosa da comunidade do Arrojado, dona Alzerina Alves Ribeiro, de 86 anos. “Nunca tivemos direito a nada, sempre fomos esquecidos pelas autoridades, sentimos falta até de um bom dia”, reclamou. Há mais de 59 anos morando no Pêga, quando casou com um quilombola, a idosa diz que foi a primeira vez que viu uma reitora e um secretário na comunidade quilombola.
Apesar da dura realidade, os descendentes de quilombos receberam os visitantes com festa, sob a proteção de São Gonçalo, o Santo protetor dos quilombos. A matriarca do Pêgas, Eudizes Bevenuto, de 85 anos, conduziu a dança de São Gonçalo com alegria, fé e esperança em dias melhores para todo o seu povo.
“A nossa luta não é passiva, porém, pacífica. Queremos justiça. As nossas pautas continuam sendo silenciadas. Não há investimentos apropriados para o que precisamos dentro das comunidades quilombolas. Ainda existe um vácuo no currículo das escolas com relação às políticas públicas de ações afirmativas”, reivindicou a professora Ilância Jacinta, professora negra e ativista nas questões étnico-raciais.
Sensível às questões apresentadas pelos moradores do Pêgas e Arrojado, o Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, reconhece na pele, como homem preto, o problema do preconceito vivenciado pela população de pele escura. “Segundo dados do IBGE, somos 56% da população, mesmo assim, fomos esquecidos, como um elefante jogado debaixo do tapete”, exemplificou.
Um povo que, na opinião do Secretário, ficou invisibilizado. “O nosso papel é mudar essa realidade, fazer cumprir o Artigo 3 da Constituição Federal que trata da promoção da igualdade. Essa não é uma causa só da população negra, é uma luta de todas as pessoas”, frisou.
Para a população quilombola de Portalegre, o Secretário Paulo Roberto se comprometeu a levar para Brasília as necessidades relatadas e, muito em breve, trazer o bem público que as comunidades tanto precisam. “Vamos voltar com benefícios, cuidarei das demandas que a Prefeitura e a Universidade enviarem”, garantiu Paulo Roberto aos quilombolas.